sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Nos meus sapatos de educador

                                                                                                                                  Publicado no diário de Natal , em 03/12/2010.
Frederico Horie Silva
 Estudei até a antiga oitava série em escola pública. Lá fui feliz. Fiz amigos, me apaixonei pela primeira vez e tive minha primeira desilusão amorosa. Porém, neste mesmo local, enfrentei períodos de greve, falta de professores, feriados imprensados e baixo aprendizado dos conteúdos específicos. No Ensino Médio fui transferido para a rede privada para, nas palavras da minha mãe, aprender alguma coisa, para ser alguém na vida. Essa foi a minha primeira despedida da escola pública. Hoje venho contar-lhes a segunda. 
Depois de um Ensino Médio difícil, com dificuldade para acompanhar os outros alunos, consegui passar no vestibular de uma excelente universidade. Lá me apaixonei pela Educação. Estudei e trabalhei praticamente todos os anos com esta temática. Saí de lá formado, esperançoso e com um sonho modesto: ser professor de escola pública.
 Há pouco mais de um ano, realizei este sonho. Entrei no sistema público de ensino de um dos municípios da grande Natal, com a certeza de que poderia fazer a diferença, de que iria desenvolver um bom trabalho, com uma metodologia inovadora que respeitasse os diferentes ritmos de aprendizagem. Tinha uma meta ousada: transformar a escola em um ambiente propício para o desenvolvimento intelectual e cultural dos alunos. Nada me deixaria mais realizado.
Porém, eu estava enganado. Estamos no final do ano e não fui o professor que quis ser, não consegui colocar em prática as imaginadas inovações e tampouco respeitei os ritmos de aprendizagem dos meus alunos. Nada me deixou mais decepcionado. Para que o leitor compreenda porque me despeço da escola pública, peço que calce os meus sapatos de educador e caminhe comigo pela escola.
Estamos no início de dezembro, e não há uma só sala de aula em que pelo menos um aluno não tenha evadido - abandonado a escola - possivelmente para sempre (!). Quem é professor sabe como dói perder um aluno, pois sabe como o mundo é cruel e competitivo para quem estuda e ainda mais para quem não o faz. Em um cenário como este, o que eu, a escola e os gestores públicos fizemos a respeito? Nada. Se é verdade que o aluno abandonou a escola, também é verdade que a escola o abandonou.
Contudo, a evasão não é só discente, mas docente.  De uma equipe que deveria ser de oito professores, apenas quatro estão presentes, dois faltaram sem justificativa e os outros dois nunca foram enviados pela Secretaria de Educação do município. Algumas turmas passaram o ano todo sem ter uma aula sequer de Matemática.          
O trabalho educativo é coletivo e solidário. O que acontece em uma sala de aula é refletido em todas as outras. Uma escola só tem condições de funcionar bem se houver a integração de um conjunto de fatores, que vão das condições de trabalho do professor à gestão escolar competente e, definitivamente, dependem de um governo que respeite o direito do povo a uma educação pública de qualidade.
Ainda em nossa caminhada, convido-os para a sala dos professores. Lá somos surpreendidos pelo aviso de que não haverá aula. Esta situação é rotineira, por variadas razões, mas nenhuma que justifique o descaso e a negação ao conhecimento que se processa em ações e inações, mentiras e omissões realizadas dia a dia em uma escola que perdeu sua função de existir. Comecei o ano acreditando que seria um bom professor, mas a verdade é que vou terminá-lo sem conseguir ao menos cumprir o calendário escolar. 
Por não me sentir útil à escola pública, me retiro. Vou dar mais ênfase aos estudos, à pesquisa. Preciso entender como funcionam as engrenagens que tornam a escola pública um ambiente inóspito e prejudicial para alunos e professores. Perdi a inocência, mas não a certeza de que a mudança é necessária e possível. Hoje descalço os meus sapatos de educador, com a certeza de que voltarei quando tiver as condições para fazer a diferença. Despeço-me com saudade daquilo que nunca tive, mas continuarei lutando para que um dia alguém possa ter. Uma escola pública de qualidade.

Frederico Horie Silva, Educador e Biólogo, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos neste espaço às sextas-feiras.



2 comentários:

Sirlia Lira disse...

Gostaria de comentar sobre o artigo do companheiro Fred que li quase com lágrimas nos olhos. Na verdade, Fred retrata um pouco do idealismo de um jovem professor e de um cidadão que deseja dias melhores para os seus semelhante, mas que diante de tantas "pedras no caminho" se ver com um calo enorme capaz de descalçar os seus sapatos de educador. Infelizmente me sinto contemplada em seu artigo, Fred, mas te digo: Quando os meus sapatos apertam o pé, trato logo de amacia-lo e mesmo sentindo dor, por vezes, continuo calçada .

Anônimo disse...

Conheci esse grande professor de perto. Entramos no sistema público de ensino na mesma época e o seu entusiasmo e abnegação chamavam à atenção. A dura realidade que nos foi apresentada parecia que motivava ainda mais o jovem professor de Biologia. Era inspirador ver o empenho e a dedicação de Fred para com os seus alunos.Puxa, pensei! Ainda existem professores dedicados e motivados, dispostos a fazer a diferença. E hoje ao ler esse artigo-desabafo começo a duvidar que dias melhores realmente virão. Não dá mais para ficar tapando o Sol com a peneira, ficar maquiando a educação pública com números fictícios e fachadas bonitinhas. Precisamos de RESPEITO!!
Sandro Wagner